terça-feira, 11 de março de 2014

Arquitetura : Setor Sul Goiânia -Plano de Atílio Correa Lima e Armando de Godoy

O SETOR SUL

 O Setor Sul faz parte da história de Goiânia desde seu princípio. O setor já estava previsto no projeto primeiro feito para Goiânia por Atílio Correa Lima. No plano do renomado urbanista, estavam desenhados, o Setor Central, o primeiro núcleo a ser erguido, e além do setor Sul, o Norte, o Leste e o Oeste. Em 1933, que desenvolveu um projeto caracterizado pela regularidade e classicismo do traçado, determinado segundo as questões funcionais da circulação e as estéticas, visando dotar a nova capital de beleza monumental. Entretanto, em abril de 1935 Atílio se demitiu do cargo por não concordar com as tendências especulativo-imobiliárias que vinham determinando as alterações e demandas no projeto da cidade.

 GODOY E GOIÂNIA

 A influência de Godoy sobre Goiânia se iniciou antes da realização do projeto de ttílio, em 1933, quando apresentou ao Governo um relatório com o seu parecer sobre a transferência da capital, a adequação do sítio escolhido e a função da nova cidade. Analisando o projeto de Attílio, Godoy apontou as cidades que, segundo ele, alcançaram pleno sucesso por terem sido convenientemente planejadas - Cary (EUA) e Letchworth (Inglaterra) - o protótipo da cidade-jardim concebida por Ebenezer Howard em fins do século passado e projetada por Unwin e Parker entre 1903 e 1904.

 “A cidade tal como a idealizou Howard, cujas idéias foram compreendidas e realizadas por Unwin, Parker e outros profissionais na Inglaterra bem como na França, Estados Unidos, etc., é uma admirável escola para as massa populares, trazendo-as ao nível da civilização moderna, educando-as, instruindo-as e dirigindo-lhes a atividade no bom sentido.” (GODOY, 1942: 35-6)

Desse modo Godoy justificou os princípios de cidade-jardim aplicados por ele em Goiânia.Assim houve um segundo plano para a nova capital de Goiás, desenvolvido por uma equipe sediada no Rio de Janeiro, contratada pelos Coimbra Bueno e coordenada por Godoy, cujo nome aparece oficialmente apenas associado ao projeto do Setor Sul. O projeto foi estruturado a partir de um traçado orgânico (em parte justificado pela declividade do terreno na direção do vale do Córrego Botafogo, no limite leste) que gerou quadras irregulares onde foi dada grande importância às áreas livres de uso público. As “bordas” das quadras foram parceladas segundo o padrão de habitações isoladas, enquanto os seus “miolos” foram mantidos como espaços livres públicos, concebidos como parques contínuos.

Do total de sua área (3.255.276 m2), 17,33 % era destinada a estas áreas verdes públicas, o que correspondia a aproximadamente 14,72 m² de área livre por habitante, considerando-se a ocupação total do bairro. Foram projetadas 28 áreas com este fim. Godoy propôs que os lotes tivessem duas frentes, que as casas se abrissem para a rua e para o parque - para o cul-de-sac através da entrada de serviços e para a área verde através da entrada principal -, criando uma relação direta entre o espaço público e o privado. Para organizar esse modelo de ocupação foi estabelecido um sistema viário hierarquizado, onde o trânsito de veículos era separado do de pedestres. Este sistema era composto por vielas e passeios em meio aos parques para os pedestres e vias arteriais, vias coletoras e vias locais em cul-de-sac para os automóveis.

Utilização da área do Setor Sul (Fonte: IPLAN, 1977) Utilização Área (m2) %
do total Ruas 379.231 11,65
Lotes 1.822.730 56,00
Áreas Livres 564.298 17,33
Vielas, calçadas e praças 489.017 15,02
Total 3.255.276 100,00

Guiando-se pelos princípios howardianos de utilização dos espaços públicos e de unidade de vizinhança, Godoy propôs para as áreas internas de parque equipamentos e serviços públicos, como hospitais, parques infantis, jardins de infância, escolas, campos esportivos, enfim, uma série de equipamentos com fins sociais, educativos e culturais que contribuiriam para a alta qualidade de vida dos moradores do lugar. Nessa proposta se destaca o ideal moderno de priorização dos espaços públicos nos projetos habitacionais, associado à noção de comunidade, pois se pensou que os espaços públicos motivariam o convívio coletivo dos moradores criando vínculos entre estes e destes com o lugar. Godoy entende a cidade como elemento civilizador e de inegável utilidade social, pois motivadora do desenvolvimento da sociedade. No relatório apresentado em 1933 ao Interventor em Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, dando parecer sobre a construção da nova capital, Godoy afirmou: “A cidade moderna (...) que obedece às determinações do urbanismo, é um centro de cultura, de ordem, de trabalho e de atividades bem coordenadas. Ela educa as massas populares, compões-lhes e orienta-lhes as fôrças e os movimentos coletivos e desperta energias extraordinárias entre os que aí vivem e ficam sob a sua influência civilizadora.” (GODOY, 1943: 212)

Para entender a proposta de Godoy e situa-la no âmbito moderno é importante voltar a Howard e ao Modelo Cidade Jardim. Este, surgido no final do século passado na Inglaterra, visava criar uma alternativa às grandes cidades industriais, que oferecesse aos operários melhor qualidade de vida. Nesse sentido foi proposta a Cidade Jardim, com a idéia de equilibrar campo e cidade. Nesta cidade, o sistema seria cooperativo, com relações de trabalho equilibradas e os operários viveriam, cada um com sua família, em casas individuais envolvidas pelo ambiente natural. Voltando ao caso de Goiânia concluímos que Godoy seguiu os princípios do urbanismo moderno através do modelo cidade jardim. No seu discurso se apropriou não só das soluções espaciais por este modelo geradas mas também de todo o ideal reformador social por ele induzido. O Urbanista almejava “as conquistas e os aperfeiçoamentos da ordem coletiva”, e foi esse o ideal que marcou o seu projeto para Goiânia, assim como o de que se estabelecesse nas cidades maior contato entre o homem e a natureza.

 DESCARACTERIZAÇÃO DO PLANO ORIGINAL

 Os proprietários de lotes no bairro, motivados pela crise de moradia que vinha crescendo desde o início da construção de Goiânia, pressionavam o Governo para a liberação da ocupação dos mesmos, o que veio a ocorrer em 1950. Mas antes mesmo dessa autorização a área começou a ser ocupada pelos proprietários dos lotes e por alguns invasores que se concentravam na margem do Córrego Botafogo. Dessa forma a ocupação do Setor Sul se iniciou através do descumprimento da lei que criava as Zonas Fechadas, de forma parcial e antes da sua urbanização. Isso gerava uma situação complicada, pois além de o projeto de Godoy não ser de conhecimento comum (poucos conheciam o “loteamento de tipo americano” , como chamavam), não havia para este uma legislação específica e adequada, que garantisse o seu padrão de ocupação dos lotes e das áreas livres, o que iniciou a sua descaracterização. A maioria dos proprietários determinou como fundo do lote a parte voltada à área livre e, como frente, aquela voltada à rua pois ignoravam o projeto original e tinham como modelo o lote urbano tradicional. Vale ressaltar que essa arbitrariedade e falta de noção das características previstas para a área surgiam principalmente pela não realização do projeto no momento adequado.
 Mesmo quando se implantou o projeto as áreas livres não receberam nenhum tratamento e, dessa forma, não se constituíram como áreas verdes de parque. Nessa época não havia mobilização do Estado, da Prefeitura ou dos proprietários para o tratamento dessas áreas. Apenas um ou outro morador plantava alguma árvore. Assim o espaço público não foi construído e apropriado pelos moradores, continuou vago parecendo um grande lote baldio. Esse quadro foi agravado com o aumento da violência urbana pois as casas, inicialmente com cercas vivas, foram muradas, de modo que as áreas livres deixaram de ser espaços abertos, com relação com o espaço privado e se tornaram bolsões vazios cercados por altos muros.

 PROPOSTAS DE INTERVENÇÕES

Na década de 70 do século passado, foi feita uma tentativa de reaproveitamento desses espaços do setor sul, através do Projeto Cura. Foi feita uma votação e os moradores elegeram o que queriam para estas áreas. O CURA encontrou as áreas livres abandonadas, tomadas por lixo (porque o serviço de limpeza urbana limitava-se às áreas pavimentadas), muitas com acessos estrangulados que chegavam a 3 m de largura, o que dificultava a implantação de equipamentos públicos. Outro problema encontrado estava relacionado à implantação errada da maioria das casas, que tinham localizado as entradas de veículo voltadas para as áreas verdes, de modo que foi necessário abrir pequenas ruas que dessem acesso às garagens.

A partir da análise das demandas do bairro, este foi subdividido em unidades de vizinhança para as quais foram estabelecidos os seguintes objetivos: - urbanização das áreas livres transformando-as em áreas verdes com equipamentos de lazer; - complementação das redes de água, esgoto, energia elétrica, iluminação pública, pavimentação e de galerias de águas pluviais; - incentivo ao aumento do índice de construção gerando, a médio prazo, total ocupação dos lotes; Mas, mais uma vez, a ideia foi abandonada pela metade e todo o dinheiro público desperdiçado. E pior, as áreas continuaram sem uma finalidade e ao contrário de ser um bem, passaram a ser um problema para os moradores: muitas delas, abandonadas, se tornaram depósito de lixo e ponto de moradia de andarilhos e até de marginais cometerem pequenos delitos ou usar drogas. Apesar de toda a descaracterização do projeto urbanístico do Setor Sul, ficaram as vielas, que acabaram tendo a função desejada, de forçar a redução da velocidade dos automóveis; e muitos dos espaços internos ainda estão lá, alguns muito bem aproveitados como o Bosque dos Pássaros, outros totalmente entregues à ação do tempo e de pessoas que não ajudam a preservar. Ainda são um desafio para moradores e poder público, mas inegavelmente dão um charme e uma qualidade de vida diferenciada para o bairro.

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